terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A tenacidade da ilegalidade

Por que o ordenamento jurídico não prevê um sistema de compensação que favoreça aqueles que cumpriram parte da pena em situação mais gravosa que a determinada pela própria sentença condenatória?

O destino de Rayssa não foi diferente do de centenas de cidadãos presos em estabelecimentos prisionais do Estado do Rio de Janeiro. Estamos diante de caso que se repete rotineiramente há anos, sem que estejamos próximos de qualquer solução. Aliás, nem mesmo parece que tal solução seja buscada com o afinco que hipóteses como a de nossa personagem exigiriam.
Negra, muito jovem e pobre, Rayssa foi abordada por policiais militares e presa em flagrante no dia 2 de dezembro de 2011, sob a alegação de que estaria portando droga para fins de tráfico. Posteriormente, foi denunciada pela prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico de drogas. Permaneceu presa durante todo o processo.
Ao final do procedimento previsto em lei, Rayssa foi condenada a 4 anos e 8 meses de prisão, a serem cumpridos inicialmente em regime semiaberto (autos n.º 223774375.2011.8.19.0021). Não é incomum que pessoas permaneçam encarceradas durante todo o processo para ao final serem condenadas a cumprir pena de prisão em regime semiaberto ou aberto. Em inúmeros casos, inclusive, a prisão é mantida durante todo o processo e o acusado é absolvido ou condenado a cumprir uma pena alternativa à prisão.
Os quatro meses e meio de duração do processo já eram passado. O prejuízo de ter sido mantida em regime fechado durante todo o processo mostrava-se irremediável e Rayssa pretendia olhar para frente.
Como o juízo que julga o pedido de condenação não é o mesmo que executa a pena de prisão, tornava-se necessário que o primeiro comunicasse ao segundo a condenação, iniciando a execução da pena. Somente assim Rayssa seria transferida para unidade prisional compatível com o regime semiaberto, que lhe permitiria trabalhar fora dos muros da prisão ou mesmo frequentar cursos, o que não pôde fazer enquanto estava aguardando o resultado do processo.
A comunicação chegou às mãos do juízo responsável pela execução da pena no dia 25 de maio de 2012. Apesar da transferência de Rayssa parecer providência simples, a inacreditável sobrecarga de trabalho que recai sobre o juízo responsável pela execução das penas de prisão no Estado do Rio de Janeiro torna tudo moroso e produz permanente violação ao direito de liberdade de diversos apenados.
Ciente dessa situação, o defensor público que atuava na unidade prisional em que Rayssa se encontrava, destinada ao cumprimento de pena em regime fechado, procurou se antecipar e já no final de maio de 2012 formulou pedido de imediata transferência para o regime semiaberto. Destacou o defensor que no caso de carência de vagas, Rayssa deveria aguardar em unidade prisional compatível com o regime aberto ou mesmo em prisão-albergue domiciliar. Afinal, esta é a posição do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
Entretanto, o processo de execução da pena tramitava com a lentidão que lhe é peculiar. Somente no início de setembro de 2012, o juízo determinou a transferência de Rayssa para unidade prisional compatível com o regime semiaberto, sem nada mencionar sobre eventual carência de vagas.
A determinação do juízo não surtiu qualquer efeito em um primeiro momento. Diante desse quadro e do fato de que seu pedido alternativo havia sido ignorado, o defensor público impetrou ordem de habeas corpus perante o Tribunal de Justiça, pleiteando à Corte aquilo que já havia requerido à primeira instância (autos n.º 0053163-70.2012.8.19.0000). Como quase sempre acontece, o Tribunal pediu informações ao juízo responsável por executar à pena, no dia 20 de setembro de 2012.
Antes mesmo de prestar qualquer informação - até isso é por demais demorado - o juízo decidiu adotar medida mais incisiva. Determinou a intimação do funcionário da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária responsável por realizar a transferência, ordenando que a realizasse, sob as penas da lei (autos n.º 0203364-71.2012.8.19.0001). Após a adoção da medida, no início do mês de outubro, o juízo forneceu as informações solicitadas pela Corte de Justiça.
A ilegalidade é tenaz. Somente em 5 de outubro de 2012 Rayssa foi transferida para unidade prisional típica de regime semiaberto. Já havia completado mais de dez meses no cárcere e restavam menos de quatro meses para que conquistasse o direito de progredir para o regime aberto. Portanto, dos quatorze meses que deveria permanecer em regime semiaberto, ficou dez em regime fechado, não havendo qualquer mecanismo legal expresso capaz de compensar a ilegalidade suportada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário