A guerra judicial, ao seu final, restou perdida. Não que as
provas produzidas ao longo do processo demonstrassem de forma incontestável a
culpa do acusado. Depois de condenado pelo crime de estupro tentado, em
primeira instância, o réu recorreu. Três
desembargadores analisaram o caso. Dois deles mantiveram a condenação, mas um
entendeu que nosso personagem era inocente.
O voto vencido possibilitou a interposição de um novo recurso a ser
analisado por cinco desembargadores diferentes. Novamente, a votação foi
apertada. Três desembargadores votaram pela manutenção da condenação, enquanto
dois absolviam o acusado (autos n.º 0170263-48.2009.8.19.0001).
Mesmo contando com o voto de três desembargadores que
entendiam não haver prova suficiente para a condenação, o réu acabou condenado,
somente lhe restando cumprir a pena de 3 anos, 10 meses e 20 dias.
Durante toda a marcha processual, o acusado permaneceu
preso, razão pela qual em 25 de janeiro de 2011 cumpriu dois quintos da pena,
preenchendo o requisito temporal necessário à progressão para o regime
semiaberto. Tal regime não importa, necessariamente, na saída do apenado do
cárcere. Entretanto, estando inserido no regime semiaberto, o apenado poderia
aspirar visitar periodicamente sua família, trabalhar fora dos muros do
presídio, frequentar curso de profissionalização etc., desde que preenchesse os
requisitos para tanto.
Em outubro de 2011, o juízo responsável pela execução da
pena debruçou-se sobre a pretensão do apenado de progredir de regime. Reconheceu que os dois requisitos
estabelecidos expressamente pela lei estavam preenchidos. Mais de dois quintos
da pena já estavam cumpridos e o apenado mantinha bom comportamento carcerário.
Apesar disso, o juízo não deferiu de pronto o pedido de progressão de regime.
Preferiu determinar que o apenado fosse submetido aos chamados exames
criminológicos, a serem realizados por assistentes sociais, psicólogos e
psiquiatras. Decisões dos Tribunais Superiores defendem a possibilidade de se
exigir os exames criminológicos em determinados casos, mesmo tendo entrado em
vigor no ano de 2003 uma lei destinada justamente a acabar com a exigência de realização
dos exames nos casos de progressão de regime.
Os exames realizados não revelaram, segundo avaliação do
próprio juízo, qualquer óbice à progressão. Contudo, a exigência de realização de
tais exames fez com que a progressão para o regime semiaberto somente fosse
deferida no final de janeiro de 2012, quando o apenado já havia satisfeito o
requisito temporal necessário à progressão há mais de um ano.
Em fevereiro de 2012, nosso personagem cumpriu dois terços
da pena. Assim, preencheu um dos requisitos necessários à concessão do
livramento condicional. O exercício de tal direito implica no cumprimento do
restante da pena em liberdade, ficando o apenado submetido ao cumprimento de
determinadas condições. A defesa do apenado, então, formulou pedido de
livramento condicional, aproveitando-se do fato do apenado ter sido submetido
recentemente aos exames criminológicos.
Surpreendentemente, o juízo indeferiu o pedido de livramento
condicional, invocando um dos exames criminológicos que já havia apreciado
quando da progressão de regime. Argumentou o juízo que o exame realizado por
psiquiatra indicava a existência de patologia, o que impedia o gozo de
livramento condicional, tendo em vista a inconveniência de se colocar o apenado
em liberdade.
O laudo elaborado pelo psiquiatra causava perplexidade. A
doença psiquiátrica que supostamente acometia o apenado não era indicada pelo
profissional. Não bastasse, o laudo
omitia o número da classificação internacional de doenças (CID). Afirmava-se a
existência de uma doença considerada obstáculo à recuperação da liberdade, mas
não se identificava qual era a doença. A razão para tal omissão parecia clara.
A conclusão do psiquiatra acerca da existência da doença baseava-se no fato de
que o apenado negava a autoria do crime pelo qual foi condenado. Ao menos era
isso que constava no corpo do laudo pericial. Tratava-se, portanto, de uma
loucura compartilhada, de certa forma, pelos três desembargadores que
absolveram nosso personagem.
Em agosto de 2012, novos exames foram realizados. Talvez por
força de um tratamento relâmpago, extremamente exitoso, realizado no interior
do sistema penitenciário e digno de prêmio internacional, o novo laudo
psiquiátrico não apontou qualquer patologia. Aproveitando-se desse "novo" quadro,
a defesa do apenado formulou novo pedido de livramento condicional. Apesar do
óbice invocado pelo juízo para indeferir o livramento condicional não mais
existir, não houve o pronto deferimento do livramento. O juízo
determinou o envio de ofício à unidade prisional, a fim de obter informações
sobre o tratamento psiquiátrico a que foi submetido o apenado .
Não restou outra alternativa à defesa técnica do apenado que
não a impetração de ordem de habeas
corpus, a fim de ver deferido o pedido de livramento condicional, antes que
o juízo responsável pela execução da pena exija o cumprimento de outro
requisito. O Tribunal de Justiça ainda não apreciou o pedido de habeas corpus. A pena imposta a
nosso personagem estará integralmente cumprida no mês de maio de 2013. Talvez
ainda seja possível exercer o direito ao livramento condicional durante os
últimos dias da sanção penal.
Não há dúvida de que o apenado é vítima da loucura. Não de
uma loucura que o acometa, pois esta jamais foi diagnosticada. Nosso personagem
foi vítima da loucura de um sistema repressivo extremamente burocratizado,
desprovido muitas vezes de qualquer razoabilidade e em boa parte caótico.
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