Novamente,
Paulo se via preso. Estava em liberdade desde setembro de 2011, quando lhe foi
concedido o livramento condicional. Imaginava cumprir solto todo o restante da
pena que lhe havia sido imposta e estava disposto a respeitar todas as
condições estabelecidas no momento da concessão do livramento. Faltava muito
pouco para o término da pena do crime de furto.
Contrariando
suas próprias expectativas, o mês de maio de 2012 impunha a Paulo nova passagem
pelo sistema prisional. Desta vez, havia sido preso em flagrante pela suposta
prática de uma tentativa de roubo. A comunicação da prisão foi enviada ao juiz
responsável pelo caso, que a converteu prontamente em prisão preventiva,
determinando a expedição de mandado de prisão. Argumentou que Paulo já possuía antecedentes
(o furto voltava para lhe assombrar) e que o crime de roubo era grave, o que
permitia presumir a periculosidade de nosso personagem.
A
decisão era tecnicamente frágil. A Constituição estabelece que todos os
acusados devem receber tratamento de inocente até que sejam condenados
definitivamente. Portanto, invocar como fundamento da prisão a gravidade do
crime que é atribuído ao réu contraria frontalmente a Constituição, na medida
em não se pode afirmar a culpa do acusado em relação a este crime. O que pesou,
na verdade, foi o fato de Paulo não ser um novato no sistema penitenciário.
O
defensor público responsável pela defesa de Paulo formulou pedido de revogação
da prisão. O juiz manteve sua posição. Afirmou que as testemunhas eram as
próprias vítimas submetidas à grave ameaça empregada por Paulo durante a tentativa
de roubo, razão pela qual a liberdade do acusado as intimidaria. Mais uma vez o
juiz partia do pressuposto de que Paulo havia praticado o crime, relativizando
a Constituição.
Nem
tudo era má notícia. Logo no início de junho de 2012, o juiz responsável pela
execução da primeira pena imposta a Paulo declarou tal pena extinta. O tempo de
duração da pena havia se esgotado sem que o livramento condicional fosse
revogado. Determinou-se, assim, o recolhimento dos mandados de prisão expedidos
por força desta primeira sanção penal (autos n.º 012563248.2011.8.19.0001). Os mandados
de prisão relativos ao novo processo passaram a ser o único obstáculo entre
Paulo e a liberdade.
As
audiências do novo processo foram realizadas e todas as testemunhas foram
ouvidas. Além disso, Paulo foi interrogado. Ao final, acusação e defesa apresentaram
seus argumentos finais.
O
próprio Ministério Público pediu que Paulo fosse absolvido. Esclareceu que
apenas uma das vítimas o reconheceu e mesmo assim somente teria feito tal
reconhecimento na delegacia de polícia, retratando-se perante o juiz e demonstrando
não ter a convicção de que Paulo fora um dos assaltantes. A vítima restante,
durante todo o tempo, afirmou não reconhecer o acusado A defesa de Paulo fez
uso dos mesmos argumentos e sublinhou que sequer seria possível afirmar que
Paulo foi reconhecido por uma das vítimas. Um dos policiais que realizou a
prisão em flagrante afirmava que esse suposto reconhecimento tinha sido
realizado em uma praça com pouca iluminação e o outro policial envolvido no
caso dizia ter o reconhecimento ocorrido na delegacia de polícia.
O
juiz proferiu sentença absolvendo Paulo. Considerou os argumentos das partes do
processo e ressaltou que Paulo não foi encontrado com nenhum dos bens
subtraídos, além de ter sido preso em local razoavelmente distante daquele em
que o crime ocorreu (autos n.º 0005001-06.2012.8.19.0045). Com a absolvição, o
juiz determinou a expedição de alvará de soltura. Estávamos no final do mês de
setembro de 2012 e parecia o fim do pesadelo de Paulo. Mas não era.
A
expedição de qualquer alvará de soltura, ao menos no Estado do Rio de Janeiro,
enseja a realização de um procedimento denominado sarq. Por meio deste procedimento,
busca-se verificar se existe mandado de prisão que impeça o cumprimento do
alvará de soltura. Em um primeiro momento, apontou-se a existência de mandado
de prisão expedido pelo juízo que havia executado a primeira pena imposta a
Paulo. É o que se chama de prejuízo.
Diante
do prejuízo do alvará de soltura, sequer determinou-se que um oficial de
justiça levasse o documento até a unidade prisional em que Paulo se encontrava.
Afinal, tal alvará não resultaria na liberdade de nosso personagem.
Contudo,
o defensor público em atuação na unidade prisional tinha ciência de que o
mandado de prisão encontrado durante o sarq não poderia impedir o cumprimento
do alvará de soltura. O juiz responsável pela execução da primeira pena já havia
determinado o recolhimento do mandado quando declarou a pena extinta. Como
acontece em inúmeros casos, os órgãos responsáveis pelo recolhimento, sempre
tão zelosos em apontar razões que impeçam o cumprimento de ordens de soltura,
não haviam feito o recolhimento da ordem de prisão.
O
defensor, então, elaborou uma petição e dirigiu-se até o juiz responsável pela
execução daquela pena, requerendo fosse determinado novo recolhimento dos
mandados de prisão e expedido alvará de soltura, a fim de agilizar a
recuperação do direito de Paulo à liberdade. O pedido foi atendimento pelo juiz
e o defensor ficou absolutamente tranquilo. O único óbice à liberdade havia
sido removido e o novo sarq indicaria a ausência de qualquer motivo que impedisse
o cumprimento do novo alvará de soltura.
De
fato, não houve a indicação de qualquer novo obstáculo à colocação de Paulo em
liberdade. O oficial de justiça, de posse do novo alvará de soltura, foi até a
unidade prisional em que Paulo estava custodiado. Ao apresentar o alvará ao
setor de classificação da unidade, a surpresa: o agente penitenciário
responsável afirmou que não poderia colocar Paulo em liberdade, pois o
prontuário do preso indicava a existência do auto de prisão em flagrante n.º
089/02083/2012, sem que houvesse qualquer informação sobre ordem judicial
determinando a soltura de Paulo no caso em que tal auto de prisão fora lavrado.
Portanto, o prejuízo de um alvará impedia novamente que Paulo reconquistasse a
liberdade.
A
informação causava espanto. A Polinter participa ativamente do sarq e possui
cadastro que registra todos os autos de prisão em flagrante e seus respectivos
destinos. Improvável que não tivesse percebido o auto de prisão invocado pelo
setor de classificação. Entretanto, sem qualquer informação adicional, o
oficial de justiça deixou o local sem restituir a Paulo sua liberdade.
Imaginando
que o problema estivesse solucionado, o defensor público em atuação na unidade
prisional espantou-se ao verificar que Paulo continuava encarcerado. Voltou à Vara
de Execução Penal para se informar sobre as razões do não cumprimento do novo alvará
de soltura e observou o motivo apontado pelo setor de classificação. Ao cruzar
os dados, percebeu que o auto de prisão em flagrante encontrado pelo setor de
classificação era decorrente da prisão realizada em maio de 2012, por força da
suposta tentativa de roubo, crime do qual Paulo foi absolvido.
Explicando
todo o ocorrido, o defensor público enviou ofício ao juiz que absolveu Paulo,
pedindo que o alvará de soltura expedido fosse submetido a novo sarq, eis que
apenas a apresentação deste alvará ao setor de classificação recolocaria nosso
personagem em liberdade. Desta vez, finalmente, não houve prejuízo que
impedisse a soltura e Paulo foi colocado em liberdade. Era o dia 12 de dezembro
de 2012. O Natal que se aproximava seria mais feliz para Paulo e sua família, o
que não apaga todos os “prejuízos” que lhes foram impostos.
Estarrecedor!
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