sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O que deve fazer Rosângela?

Como a cobrança por maior produtividade dos magistrados tem sido capaz de fulminar a qualidade das decisões judiciais, fazendo com que prescindam até mesmo da singela e indispensável tarefa de ler os autos do processo com atenção.

Rosângela havia passado algumas vezes pelo sistema penitenciário, sempre por crimes de pequena gravidade. Desta vez, cumpria penas por crimes de furto. Uma delas de 3 anos e 9 meses e a restante de 1 ano, 7 meses e 11 dias.
Finalmente, em maio de 2010, Rosângela preenchera todos os requisitos necessários à concessão do livramento condicional e poderia cumprir o restante de sua pena em liberdade, ainda que havendo a necessidade do cumprimento de algumas condições cujo descumprimento acarretaria o retorno ao cárcere.
Passaram-se quase dois anos sem que qualquer novo envolvimento de Rosângela em infrações penais fosse noticiado, até que no dia 9 de abril de 2012, a ex-detenta viu-se novamente encarcerada. Ao receber a notícia da prisão de Rosângela, a Vara de Execução Penal suspendeu de imediato o livramento condicional, expedindo novo madado de prisão em desfavor de nossa sofrida personagem. Portanto, dois passaram a ser os obstáculos entre Rosângela e a liberdade.
De fato, a Lei de Execução Penal prevê a suspensão do livramento condicional nos casos em que o cidadão liberado pratica novo crime. Mas no caso de Rosângela não havia qualquer informação dando conta da prática de novo crime, apesar da notícia da nova prisão.
Chegou o dia em que Rosângela seria atendida pela Defensoria Pública no interior do estabelecimento prisional . Diante do defensor público, que já tinha ciência da decisão tomada pela Vara de Execução Penal, Rosângela explicou que não havia cometido qualquer outro crime e que sequer entendeu porque havia sido presa. A voz era de desespero. Rosângela estava completamente atordoada e como não via qualquer legitimidade em seu novo encarceramento, demonstrava verdadeiro pânico. A nova experiência fez desmoronar sua convicção de que bastava não mais praticar infrações penais para não se ver novamente privada da liberdade. Imaginava nunca mais ter qualquer segurança sobre a preservação de tão importante direito fundamental.
O defensor público, então, solicitou no interior do estabelecimento prisional a guia de recolhimento. Trata-se de documento necessário ao recebimento de qualquer preso pela direção de unidade prisional. A guia indicava que Rosângela havia sido presa por força de um mandado de prisão expedido em processo penal iniciado no ano de 2005. Portanto, definitivamente, já se sabia que Rosângela tinha dito a verdade ao afirmar não ter praticado novo crime.
Ao deixar o presídio, o defensor público dirigiu-se ao fórum e consultou os autos do processo de execução que tramitava junto à Vara de Execução Penal. Surpreendeu-se com o que viu. O processo penal do ano de 2005 foi justamente aquele que ensejou a imposição a Rosângela da pena de 1 ano, 7 meses e 11 dias. Portanto, a nova prisão de Rosângela era flagrantemente ilegal, na medida em que esta condenação já estava sendo executada quando da concessão do livramento condicional. A Vara de Execução Penal, inclusive, havia determinado o recolhimento deste mandado de prisão ao conceder o livramento, mas os órgãos responsáveis falharam e deixaram de realizar o recolhimento.
Pior. Antes mesmo da Vara de Execução Penal ter suspendido o livramento condicional de Rosângela, em virtude de novo crime que jamais foi praticado, já constava dos autos do processo de execução a informação de que a prisão era fruto de mandado de prisão expedido no processo de 2005. A singela observação do número dos autos deste processo permitiria saber que se tratava de um mandado cujo recolhimento já havia sido determinado. Portanto, a Vara de Execução Penal concluiu que Rosângela praticou novo crime simplesmente porque não realizou uma leitura atenta dos autos do processo (autos n.º 0468310-10.2008.8.19.0001).
Diante da triste constatação, o defensor público elaborou petição em que explicava todo o ocorrido, apontando as provas de seu relato - que já estavam todas nos autos - e foi até a Vara de Execução Penal para tentar solucionar a questão.
Rosângela foi posta em liberdade no final dos mês de setembro de 2012, tendo amargado mais de cinco meses de prisão ilegal e certamente continua sem saber o que fazer para se manter longe do cárcere.